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Ouro de Tolo, depressão e psicanálise

  • psigabimoreira
  • 10 de set.
  • 2 min de leitura

A canção Ouro de Tolo, de Raul Seixas, ironiza um sujeito que enumera suas conquistas materiais: a casa própria, o carro, o salário, a televisão como se fossem provas de uma vida plena. Contudo, por trás da ironia, o que se revela é o vazio: a constatação de que possuir objetos ou cumprir metas sociais não garante uma experiência de sentido. Essa dissonância entre o que se tem e o que se é, entre o ideal e o real, abre espaço para pensarmos a depressão.

Na clínica psicanalítica, a depressão não se reduz a uma “falta de serotonina” ou a um humor rebaixado. Ela pode ser lida como uma forma de sofrimento marcada pela perda da capacidade de investir na vida, de desejar, de projetar-se para além do imediato. O deprimido, muitas vezes, repete o tom do narrador de Raul: cumpre as exigências, ocupa os lugares sociais, mas sente que a promessa de satisfação nunca chega. O que era para ser ouro sinal de sucesso, reconhecimento e alegria mostra-se tolo, falso, incapaz de preencher o sujeito.

Freud, em seu texto Luto e Melancolia (1917), descreve como, na melancolia, o sujeito dirige contra si mesmo uma crítica cruel, identificando-se ao objeto perdido e esvaziando o próprio eu. Há, portanto, uma dimensão de desamparo e de autoacusação que atravessa o estado depressivo. Já em Lacan, a questão retorna pela via do desejo: quando o sujeito se prende ao imperativo do gozo capitalista “ter mais, consumir mais, parecer mais” ele se afasta do movimento singular do próprio desejo, caindo num buraco de insatisfação permanente.

Assim, Ouro de Tolo pode ser lida quase como uma vinheta clínica: um sujeito que, ao recitar suas conquistas, revela justamente a falta de vida nelas. A depressão, nesse sentido, aparece como o sintoma de uma sociedade que promete felicidade pela via do consumo e da adaptação, mas que frequentemente silencia o sujeito e sua singularidade.

A psicanálise, por sua vez, propõe um caminho distinto: escutar esse vazio, permitir que o sujeito fale do que lhe falta, do que não se encaixa. Não se trata de oferecer novas fórmulas de sucesso ou novos “ouros” a serem perseguidos, mas de abrir espaço para que o sujeito se aproprie de sua falta, encontre um modo singular de se relacionar com o desejo e, assim, invente uma vida que não seja mero eco de um ideal imposto.

Texto produzido por Gabi Moreira


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